quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Pense no Haiti

Nestes últimos dias, temos ouvido falar no surto de cólera que anda se alastrando pelo Haiti, causando milhares de mortes. Neste ano mesmo teve um terremoto que devastou o país e este surto acaba mostrando que, apesar do "esforço internacional", o país ainda está bem longe de se recuperar. 
Lembro-me que, logo depois do terremoto, vi uma reportagem criticando a falta de respeito das pessoas, para pegar os mantimentos entregues pela ajuda internacional, pelo fato de não conseguirem fazer filas e ficarem se amontoando em busca dos alimentos. Fiquei me perguntando se o jornalista, por algum momento, tentou se colocar na posição de alguém que, por exemplo, tenha perdido dois dos seus três filhos porque morreram de fome, e sabe que a comida distribuída não vai dar para todos. 
Isto tudo me fez lembrar da música Haiti. Em 1993, Caetano Veloso e Gilberto Gil fizeram um disco, chamado de Tropicália 2 para comemorar os 50 anos de vida (ambos nascidos 1942) e 25 anos do disco Tropicália ou Panis et Circencis (de 1968). Assim como no álbum original, houve uma mistura experimental de vários ritmos, como o Rap. E como tal, não poderia deixar de ter uma letra bem ácida, como aparece na música Haiti
Esta letra continua sendo tão atual como quando foi feita há 17 anos. Vale apena olhar com calma cada verso, pois cada um deles traz uma crítica ao “cidadão brasileiro”, e isto inclui tanto eu quanto você! Não precisamos nem chegar a apelar para momentos marcantes como a chacina do pavilhão 9, no Carandiru
Se pensarmos no verso "E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual", e virmos quantas pessoas acham que não tem problema passar num sinal vermelho durante o dia porque na outra rua não está passando carro. Estas pessoas se esquecem de que também existem pedestres como crianças e idosos. E está cada vez mais difícil de vê-los andando a pé por aí. Se não conseguimos nem respeitar um sinal vermelho, como podemos pedir para que as pessoas famintas do Haiti respeitem as filas na hora de pegar comida?
No vídeo abaixo, enquanto a música toca de fundo, aparecem algumas informações sobre a história recente do Haiti, vale a pena ver.



Haiti - Caetano Veloso e Gilberto Gil


"Quando você for convidado pra subir no adro
da Fundação Casa de Jorge Amado

pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(Que são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos, quase pretos de tão pobres
são tratados.
E não importa se olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados
para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados
de escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula.
Não importa nada: nem o traço do sobrado
Nem a lente do Fantástico, nem o disco de Paul Simon.
Ninguém, ninguém é cidadão. 



Se você for ver a festa do Pelô,
e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti.



O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.



E na TV se você vir um deputado
em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo,
qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça da democratização
Do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender
a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê
tanto espírito no feto
e nenhum no marginal.
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua
sobre um 
saco de lixo brilhante do Leblon
E ao ouvir o silencio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos
são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos,
quase pretos de tão pobres.



E pobres são como podres
e todos sabem como se tratam os pretos



E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba



Pense no Haiti, reze pelo Haiti.
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui."

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